sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um haicai

nódoas da chuva - como sardas
nos braços - sobre os seios, no metrô

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Leituras contínuas de Herberto Helder estão acabando com qualquer espaço para eu escrever novos poemas. Assim como mundos grandes.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um haicai

num mundo grande
e outro canto de significados
vazio dos pássaros

não havia espaço para poemas

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um dia

Estreita e abandonada, numa ruela
emoldurada por esquinas
de muros altos, sujos e rugosos,
exceto por um ônibus
imóvel, à margem
do tráfego que inexistia.
Este, um ônibus que repousa
- elefante que dorme - protegido do Sol
sobre o musgo que brota
por entre paralelepípedos
cobrindo de tempo suas faces
sobre outras faces desbastadas
num lento lance de dados
a beijar o chão, pó de pedra.
Abaixo dos tons de poeira,
ruídos inaudíveis desenhavam nas
ondulações da superfície
formas de ondas que se percebem
mesmo à transparência de um rio
mais plácido, apenas vindos da avenida
onde se dá o corte de seu sentido
como, um dia, a caminho de São Paulo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Santos

Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.

O edifício é sólido e o mundo também.

Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.

O mundo é mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...
Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja.




************************************
em Sentimento do Mundo (1940), C.D.A

ps: mentira. O poema se chama "Privilégio do Mar".

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um haicai

a cruzarem a
menina dos olhos
ideias de natureza

domingo, 8 de agosto de 2010

Um haicai

lápis deslizando
pela mente em branco - o esquecimento
de um haicai

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Revisão:

Sócrates
Mas e os outros poetas? Não fizeram sua poesia sobre essas mesmas coisas?

Íon
Sim, Sócrates, mas não do mesmo modo que Homero...

Sócrates
Como assim? Pior?

Íon
Muito pior!

Sócrates
E Homero melhor?

Íon
Melhor mesmo, por Zeus!

Sócrates

Ora Íon, querida cabeça! (...)

Platão, Íon (Sobre a Inspiração Poética)

Ou seja, eu ERREI o título do blog. A memória é uma coisa incrivelmente imprecisa...

domingo, 11 de julho de 2010

XXXIII

Tu queres ilha: despe-te das coisas,
das excrescências, tira de teus olhos
as vidraças e os véus, sapatos de
teus pés, e roupas, calos, botões e

também as faces que se colam à
tua, e os braços alheios que te abraçam
e os pés que querem ir por ti, e as moças
que querem te esposar, e os ais (não ouças!)

que querem te carpir, e os cantos que
querem te consolar, e tantos guias
que querem te perder, e as ventanias

que não dormem, que batem alta noite,
tristes, em tua porta, se ressonas
pois nem o vento, nada te abandona.

Jorge de Lima, Invenção de Orfeu, Canto Primeiro: Fundação da Ilha

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um haicai

campos de cevada -
mulher afeitada - "Garçom,
desce uma gelada!"

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tava achando o blog triste e abandonado, mas aí parei pra lembrar:

.


......um bom poema
leva anos
......cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
......seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
...... sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
...... três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
...... uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski (se não me falha a memória, do livro Distraídos Venceremos)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Exegese

"Nudez, último véu da alma
que ainda assim prossegue absconsa"

............................................C.D.A


Tuas mãos seguravam o meu rosto, lisas cândidas. Não usava roupas e nem estava nu, jogados, sobre um tapete de algodão o chão do teu quarto de cores muitas, desbotadas, eu você, o meu sonho nos beijávamos, pálpebras entrefechadas. Tua mão no meu pescoço eu adentrava a tua pele suada por debaixo da blusa teu peito pungente do qual nunca a rosa, a tua blusa branca e justa da cor da tua pele. Teus olhos fechados e as cores fortes do teu quarto, das tuas fotografias, a minha mão descia pela tua barriga, em dedos abertos, quente a palma da mão ouvia tuas lástimas. Com a ponta das unhas a tua calcinha prata escura meus dedos deslizavam por entre pelos na tua nuca, teus cílios marejados Vênus nascia do teu ventre. Verde-azul, o cortinado dos teus pés, teu suspiro surdo e a maçã rosada do teu rosto que desce aos ombros teus, pelos de ouriço negro na areia, a tua mão a minha mão embebida segurou,
e virava as costas,
curvas, nua.
Tomo minhas as tuas mãos
e te envolvo nos meus braços
me aquecendo no teu corpo.
Meu pênis ereto rente
à pele morna da tua coluna
ligados por seminal promessa.
Nosso cheiro profundo pelas paredes
como nossa última memória.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Museu de novidades

Eu não costumo gostar muito dos meus poemas mais velhos, acho que pouca coisa se salva. Mas a idade deles criou distância o suficiente pra eu ler como se não fossem tão meus, o que é uma experiência bem interessante.
Então resolvi reabrir o meu blog antigo:
http://www.dudapih2.blogspot.com/

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Cantochão para o chão

Quem reparou na progressão das gretas
sobre a sua superfície & mediu
a deslavagem & a erosão milimétricos?
Quem leu as pautas que se formavam?
Quem viu o reboco cair como icebergs
no oceano da calçada?

A sós se desfazia /
se desfaz o muro,
sua música para ninguém cantada,
surdina para surdos, cantochão para o chão
nu descendo a escada numa casa vazia,
natividade num museu ártico.

Canção 4 do poema Canções do Muro, de Horácio Costa.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Soneto

Em meu quarto imerso em breu, paredes,
seus pequenos vincos e arestas se
mesclam indistinguíveis uns dos outros,
distantes nas pupilas de meus olhos.

No enjôo que sinto de ausência e vinho
guardo com afeto o possível vômito
em meu estômago, como o apego
com que me guardas em garras de esmalte

vermelho à cor de meu próprio sangue.
E se ligados por cor vital sei
do meu sangue, das tuas garras, só

no que em mim é breu posso sentir
o vazio cravado na minha pele.
Longe de ti, adormeço, e não sonho.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um haicai

na estepe um cavalo
corre - no ar a sua crina -
marrom feito um tronco

terça-feira, 23 de março de 2010

Voto - de Murilo Mendes

Obscura vida,
O que te peço
É que me reveles teus desígnios,
Obscura vida:
Que sejas transparente
E concisa
Como por exemplo a morte
- Clara esperança.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Enquanto eu dormia

Você apareceu-me como que
com os cabelos bem curtos
de arrependimento.
Você morava comigo e dizia,
os nossos olhos lacrimejando,
que estava com muitas saudades.
E eu te aceitava
e você sumiu na cozinha.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Trecho

"Vejo-me noutra cidade.
Sem mar nem derivativo,
o corpo era bem pequeno
para tanta insubmissão.
E tento fazer poesia,
queimar casas, me esbaldar,
nada resolve: mas tudo
se resolveu em dez anos
(memórias do smoking preto).
O tempo fluindo (...)"

"Desfile", em A Rosa do Povo, C.D.A (1945)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Prenúncio em si

Próximos da aurora,
alguns ônibus ainda circulam com pressa
por ruas quase vazias,
ônibus quase vazios.
Seus ruídos percorrem esquinas,
sugerem sonhos em camas quaisquer.
Em resquícios, as mucosas se umedecem
do orvalho nos rostos compenetrados.
O jornaleiro escovava os dentes.
Da periferia, uma van trazia o jornal -
as notícias chegariam apenas com a manhã.
Um primeiro canto de pássaro
apenas ressoa...
Destes semblantes distante,
após uma noite insone, caminho,
e sinto-me algo próximo do céu.
Nele, a aurora logo surgirá
estranha e nova.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Trecho

"Sim, bonito. Mas antes de bonito é pungente, leitor; as metáforas que o homem fabrica são cápsulas que o tempo desfaz."

em The Very Short Stories, de Horácio Costa (1987)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Adolescência

Na borda do canal, sentados, observando o portão.
Esperando devagar pelo sinal da escola com nome de marquês.
Lentamente,
os alunos atravessando aos poucos o portão
que se fecha ao mesmo ritmo.
Já no sinal, estamos
longe. Seguimos a avenida
de encontro à orla desta ilha.
Na areia molhada, num dia de semana,
não há turistas, apenas
alguns surfistas flutuam sobre as ondas,
garças pairam, contra o vento.
Em uma praça, sentamos sobre o colo úmido
das estátuas de seios duros os quais alisamos
em uma brincadeira, ao som do mar. Palavras,
e nelas, as fotos tiradas
em dias anteriores, iguais,
ainda não reveladas. Atravessamos
de volta a avenida e cruzamos
planos bairros por suas poucas ruas tortas
chegando à linha da máquina.
Nos equilibramos pelos trilhos e
ouvimos a todo o redor o apito de um trem
ecoando pelas paredes dos prédios,
sentimos um tremor na sola dos tênis. Corremos,
e com um leve impulso
nos penduramos nas escadas espalhadas pelos vagões
e ali, durante algum tempo, nos deixamos levar
flutuando sobre pequenas pedras,
sentindo o vento nos cabelos curtos
o peito sentindo o mantra dos trilhos.
O olhar colado ao vagão
fazendo do trem ainda mais infinito. Ao lado,
passava o estacionamento vazio,
o gramado, o cinza céu do dia. Pouco
que se percebesse
passava por nossas cabeças. Com um grito,
descemos.
Os vagões juntos
se distanciavam ao longo da linha curva dos trilhos. Caminhamos
ouvindo o outro lado do mesmo apito que seguia inerte
ecoando pelos prédios cada vez mais distantes
até o supermercado de frente à avenida,
aos trilhos e aos prédios
que ecoavam quase inaudível o apito do trem.
Fazia um dia claro dentro do supermercado.
Caminhamos pelos corredores até a lanchonete
e pechinchamos um preço arredondado
por uma garrafa de água
que não foi suficiente para matar a nossa sede.
Deixamos a garrafa em pé
no pátio vazio. E andamos.
Entramos no prédio, escadaria, o apartamento vazio,
pegamos a câmera com o filme dentro,
saímos do apartamento, vazio,
escadaria, prédio.
E, rápido, na loja de revelação,
entregamos a câmera, deixamos o filme
com as fotos de nossos dias na loja
e para nunca retornar lá.
Com a câmera vazia seguimos pelo entardecer
nos dipersando um a um,
prédio a prédio.
Adolescentes continuam sentados na borda do canal.
Ninguém nunca pagou por aquele filme.
Na memória, nada mudou:
a garrafa, as garças, os seios.
Na noite, ainda pode-se ouvir o apito grave dos trens.
E mesmo distantes uns dos outros,
é como se nunca tivéssemos saído de nossa cidade.
Continuamos os mesmos.