quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um haicai

no teu estreitado
a dimensão do meu ser
por entre tuas tramas

domingo, 5 de junho de 2011

Lembrando um haicai de Bandeira

no tronco de um jovem
freixo gravei nosso amor
- que nunca cresceu

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.
E pensas maravilha quando pensas anca
Quando pensas virilha pensas gozo.
Mas tudo mais falece quando pensas tardança
E te despedes.
E quando pensas breve
Teu balbucio trêmulo, teu texto-desengano
Que te espia, e espia o pouco tempo te rondando a ilha.
E quando pensas VIDA QUE ESMORECE. E retomas
Luta, ascese, e as mós vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade
A esperança.


Cantares do sem nome e de partidas (1995), Hilda Hilst

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um haicai

bem reto o traço,
jorra em febre vermelha -
rasgo-orgasmo

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O corpo do outro

Às vezes uma ideia toma conta de mim: começo a escrutar longamente o corpo amado (como o narrador diante do sono de Albertine). Escrutar quer dizer vasculhar: vasculho o corpo do outro, como se quisesse ver o que tem dentro, como se a causa mecânica do meu desejo estivesse no corpo adverso (me pareço com esses garotos que desmontam um despertador para saber o que é o tempo). Essa operação é conduzida de uma maneira fria e atônita; estou calmo, atento, como se estivesse diante de um inseto estranho, do qual bruscamente não tenho mais medo. Algumas partes do corpo são particularmente favoráveis a essa observação: os cílios, as unhas, a raiz dos cabelos, objetos muito parciais. É evidente que estou então fetichizando um morto. A prova disso é que, se o corpo que escruto sai de sua inércia, se ele começa a fazer qualquer coisa, meu desejo muda; se, por exemplo, vejo o outro pensar, meu desejo cessa de ser perverso, torna-se de novo imaginário, retorno a uma Imagem, a um Todo: amo novamente.

Roland Barthes - Fragmentos de um Discurso Amoroso

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nós, no raro café, sempre nos sentávamos numa mesa onde na qual existia
outra por baixo da mesma onde nos deitávamos e começávamos a conversar.
Muito embora houvesse entre a gente um cano que mantinha mesa de cima
pendente era nossa estratégia de me aproximar. Havia um buraco onde o café
passado a vácuo era colocado para nos banhar. O garçom já cansado servido
do café cheiroso na gente e eu nem dizia, ai tá muito quente, e as feridas nasceram
dormentes. Queres levantar? Nessa pergunta se decide passar açúcar e começa
a me coçar. Raspa este elemento acessório que faz parte de todo empório:
"Forneço gosto mas não sou a coisa em si. How do you know me?"
Se a minha brancura associada a espessura da tua pele te repele te repele.
Se queres ser um adoçante. Se queres atingir a forma que retorna sem ser
mero acompanhante. Passe café por mim.

Fabiana Faleiros


Em algum canto de 2010 eu descobri esse poema no blog do Dirceu Villa. De tempos em tempos eu pego ele pra reler, e ele tem melhorado com o tempo.Link

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um haicai

lentura nos passos,
carros, ônibus, calados -
a noite era um ato

quarta-feira, 23 de março de 2011

Um haicai

distendem-se pálpebras -
um toque rubroamarelo
e aquece a mucosa

sexta-feira, 18 de março de 2011

afoiteza

HANSEN - (...) Talvez, como dizia o Mário de Andrade, o poeta brasileiro publica muito cedo, né? Devia ser... Não deve ser proibido adolescente fazer poesia, de modo algum, deve até ser incentivado, mas ele devia ser proibido de publicar. Ele devia fazer o teste do Horácio, quer dizer, guardar na gaveta nove anos, e daí quando reler, se não causar vergonha, presta. (risos) Entende? É que eles são muito açodados, muito afoitos. É que também tem uma ideologia aqui...

EC – Também porque é rápida... Edite...
HANSEN – Sim. E tem esta ideologia também da comunicação a toda força, e até de um certo narcisismo, do prestígio: eu quero ser reconhecido como poeta, né? O que é uma bobagem. O Guimarães Rosa que dizia, quando o Guteloris perguntou pra ele: o que você acha de ser o gênio da Literatura Brasileira. Ele falou, gênio? Não. Trabalho. Trabalho. Trabalho. Trabalho. E mais Trabalho. Ele repete cinco vezes. E Rosa fala isso com autoridade, né? Percebe? Eu penso assim. Tô brincando um pouco é evidente, mas eu penso assim...

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Pra dar uma contextualizada, esse texto é de uma entrevista, mas que daria pra chamar de conversa, entre Edson Cruz e João Adolfo Hansen. Dá pra chamar de conversa pela própria informalidade da entrevista. (link aqui)
A coisa do afoito, não sei se quase 23 anos dá pra enquadrar como adolescente, mas isso ainda somos nessa idade. A coisa do status, tem sim, mas não sei até onde ela chega, mesmo em mim. Mas eu penso que também há uma necessidade de diálogo, principalmente pra quem está começando e sobra insegurança sobre o que se escreve, em vários níveis. Até pela própria ideia de se realizar uma poesia que seja contemporânea.
Mas assim, esse post é meio também porque eu não estava conseguindo dormir hoje. E blog é uma coisa meio afoita.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Um haicai

o antebraço nu
roçando lençóis azuis
as veias também azuis

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Soneto II

Quando tentei transpor-te, fracassei:
Fuligem carregada pelo vento.
Teu país ignorava o verbo
Ou quaisquer concretudes de linguagem.

Estas memórias são de mais ninguém -
Quem sabe, minhas? Erro e não consigo
Discorrer-me dos fios de minha carne
Amarras de um novelo em vermelho

Que me abraçam envolto de mim mesmo.
Distendo-me sem pontas, traço arcos
A tanger sobre os pelos a tua pele,

Mas de além horizonte um sopro leva
Da tua boca um sopro que carrega
Para longe de ti teu próprio nome.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um tanka

para além do sono
pelas janelas do ônibus
mesclam-se em gotas
da Corifeu o amarelo
e a prata de cada esquina

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Um haicai

sons de um passarinho -
"acabou a luz no bairro",
comenta os vizinho

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Guilherme de Almeida

Navegando na internet all throu the night encontrei um site com dezenas de haicais do Guilherme de Almeida. Não foi ele quem trouxe o haicai pro Brasil, mas creio que tenha sido o seu primeiro grande divulgador (antes mesmo do Paulo Leminski).

http://www.terebess.hu/english/haiku/almeida.html

HISTÓRIAS DE ALGUMAS VIDAS

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.

Quem for ler os poemas no site vai reparar que em um ou outro tem uns erros de digitação, mas nada que comprometa a leitura.
O Guilherme de Almeida é um dos poucos haicaistas que eu conheci e gostei. Ainda estranho a ideia de colocar títulos nos haicais, mas adoro como ele trabalhar a forma fixa e os próprios poemas em sí, seus assuntos. Também, por uma questão pessoal, gosto do fato de ele fazer haicais como um brasileiro de século XX que mora na cidade e tem a bagagem da literatura ocidental nas costas pesando forte, sem ficar sonhando que é Bashô no Japão do séc. XVII.

- Aproveitando a conversação toda, eu tenho que falar aqui: eu morro de curiosidade de saber quem lê o meu blog. Tem sido bem acessado, a média dá mais de um acesso por dia. (acho isso bastante pro meu blog haha) Fico contente de saber.