sábado, 31 de dezembro de 2016

Dístico muito triste

Meus pés sob a correnteza
Teu olhar, distante na memória

domingo, 28 de outubro de 2012

Versos de circunstância

Do alto do seu desaviso
era possível ver as gotas
que brotaram frias da minha pele
como o orvalho.
Espreitando o meu sono,
depois, ela disse do orvalho
daquela noite e sem saber de mim.
O meu olhar embriagado -
a luz da manhã que já dobrava as esquinas
chegava ofegante no meu quarto
e antes se acendeu meu corpo quente.
O suor se dissiparia pelos lençóis,
pelos cabelos e nas pontas das minhas unhas
fazendo esquecer
que, mais do que o nosso desejo,
o acaso nos trouxe aqui.

sábado, 28 de julho de 2012

Momento

Era um jogo um pouco vívido, era de noite haviam corredores estreitos e escuros pelos quais me via sendo impelido para frente. Inevitavelmente viriam-me portas as quais teria que transpor janelas espreitavam opacas pelo pó este que me escondia. Minha presença pálida agredia o ambiente, ainda que estivesse vestido de suas cores. Eu oscilava pelo assoalho, aproximando-me e afastando das duas paredes. Não havia vento nem mormaço, eu havia me despedido de você em algum momento, por alguma necessidade a qual suspeitava ignorar. Eu deveria ter ficado em um lugar no qual um relógio de pêndulo me dizia que eu não podia mais te esperar. Flores de lótus no papel de parede vincado escuro do dia em que se molhou com a chuva eu corria a te procurar. Presenças fúnebres das quais eu tinha de me desvencilhar em esquinas fechadas, meus passos faziam ranger da casa o único canto que rompia o silêncio. Você surgiu, no escuro do teu olhar eu podia imaginar o cansaço dos meus olhos, estávamos juntos novamente, e eu ainda iria suspirar quando.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Krzysztof Kieślowski

"That's the greatest sin a director can commit; to make a film simply because he wants to make a film. You have to want to make a film for other reasons - to say something, to tell a story, to show somebody's fate - but you can't want to make a film simply for the sake of it. I think that was my biggest mistake - that I made films I no longer know why I made. While I was making them I told myself I knew why but I don't think I really believed that. I made them simply for the sake of making them."

(Kieślowski on Kieślowski, 1993)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um haicai

no teu estreitado
a dimensão do meu ser
por entre tuas tramas

domingo, 5 de junho de 2011

Lembrando um haicai de Bandeira

no tronco de um jovem
freixo gravei nosso amor
- que nunca cresceu

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.
E pensas maravilha quando pensas anca
Quando pensas virilha pensas gozo.
Mas tudo mais falece quando pensas tardança
E te despedes.
E quando pensas breve
Teu balbucio trêmulo, teu texto-desengano
Que te espia, e espia o pouco tempo te rondando a ilha.
E quando pensas VIDA QUE ESMORECE. E retomas
Luta, ascese, e as mós vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade
A esperança.


Cantares do sem nome e de partidas (1995), Hilda Hilst

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um haicai

bem reto o traço,
jorra em febre vermelha -
rasgo-orgasmo

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O corpo do outro

Às vezes uma ideia toma conta de mim: começo a escrutar longamente o corpo amado (como o narrador diante do sono de Albertine). Escrutar quer dizer vasculhar: vasculho o corpo do outro, como se quisesse ver o que tem dentro, como se a causa mecânica do meu desejo estivesse no corpo adverso (me pareço com esses garotos que desmontam um despertador para saber o que é o tempo). Essa operação é conduzida de uma maneira fria e atônita; estou calmo, atento, como se estivesse diante de um inseto estranho, do qual bruscamente não tenho mais medo. Algumas partes do corpo são particularmente favoráveis a essa observação: os cílios, as unhas, a raiz dos cabelos, objetos muito parciais. É evidente que estou então fetichizando um morto. A prova disso é que, se o corpo que escruto sai de sua inércia, se ele começa a fazer qualquer coisa, meu desejo muda; se, por exemplo, vejo o outro pensar, meu desejo cessa de ser perverso, torna-se de novo imaginário, retorno a uma Imagem, a um Todo: amo novamente.

Roland Barthes - Fragmentos de um Discurso Amoroso

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nós, no raro café, sempre nos sentávamos numa mesa onde na qual existia
outra por baixo da mesma onde nos deitávamos e começávamos a conversar.
Muito embora houvesse entre a gente um cano que mantinha mesa de cima
pendente era nossa estratégia de me aproximar. Havia um buraco onde o café
passado a vácuo era colocado para nos banhar. O garçom já cansado servido
do café cheiroso na gente e eu nem dizia, ai tá muito quente, e as feridas nasceram
dormentes. Queres levantar? Nessa pergunta se decide passar açúcar e começa
a me coçar. Raspa este elemento acessório que faz parte de todo empório:
"Forneço gosto mas não sou a coisa em si. How do you know me?"
Se a minha brancura associada a espessura da tua pele te repele te repele.
Se queres ser um adoçante. Se queres atingir a forma que retorna sem ser
mero acompanhante. Passe café por mim.

Fabiana Faleiros


Em algum canto de 2010 eu descobri esse poema no blog do Dirceu Villa. De tempos em tempos eu pego ele pra reler, e ele tem melhorado com o tempo.Link

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um haicai

lentura nos passos,
carros, ônibus, calados -
a noite era um ato

quarta-feira, 23 de março de 2011

Um haicai

distendem-se pálpebras -
um toque rubroamarelo
e aquece a mucosa

sexta-feira, 18 de março de 2011

afoiteza

HANSEN - (...) Talvez, como dizia o Mário de Andrade, o poeta brasileiro publica muito cedo, né? Devia ser... Não deve ser proibido adolescente fazer poesia, de modo algum, deve até ser incentivado, mas ele devia ser proibido de publicar. Ele devia fazer o teste do Horácio, quer dizer, guardar na gaveta nove anos, e daí quando reler, se não causar vergonha, presta. (risos) Entende? É que eles são muito açodados, muito afoitos. É que também tem uma ideologia aqui...

EC – Também porque é rápida... Edite...
HANSEN – Sim. E tem esta ideologia também da comunicação a toda força, e até de um certo narcisismo, do prestígio: eu quero ser reconhecido como poeta, né? O que é uma bobagem. O Guimarães Rosa que dizia, quando o Guteloris perguntou pra ele: o que você acha de ser o gênio da Literatura Brasileira. Ele falou, gênio? Não. Trabalho. Trabalho. Trabalho. Trabalho. E mais Trabalho. Ele repete cinco vezes. E Rosa fala isso com autoridade, né? Percebe? Eu penso assim. Tô brincando um pouco é evidente, mas eu penso assim...

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Pra dar uma contextualizada, esse texto é de uma entrevista, mas que daria pra chamar de conversa, entre Edson Cruz e João Adolfo Hansen. Dá pra chamar de conversa pela própria informalidade da entrevista. (link aqui)
A coisa do afoito, não sei se quase 23 anos dá pra enquadrar como adolescente, mas isso ainda somos nessa idade. A coisa do status, tem sim, mas não sei até onde ela chega, mesmo em mim. Mas eu penso que também há uma necessidade de diálogo, principalmente pra quem está começando e sobra insegurança sobre o que se escreve, em vários níveis. Até pela própria ideia de se realizar uma poesia que seja contemporânea.
Mas assim, esse post é meio também porque eu não estava conseguindo dormir hoje. E blog é uma coisa meio afoita.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Um haicai

o antebraço nu
roçando lençóis azuis
as veias também azuis

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Soneto II

Quando tentei transpor-te, fracassei:
Fuligem carregada pelo vento.
Teu país ignorava o verbo
Ou quaisquer concretudes de linguagem.

Estas memórias são de mais ninguém -
Quem sabe, minhas? Erro e não consigo
Discorrer-me dos fios de minha carne
Amarras de um novelo em vermelho

Que me abraçam envolto de mim mesmo.
Distendo-me sem pontas, traço arcos
A tanger sobre os pelos a tua pele,

Mas de além horizonte um sopro leva
Da tua boca um sopro que carrega
Para longe de ti teu próprio nome.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um tanka

para além do sono
pelas janelas do ônibus
mesclam-se em gotas
da Corifeu o amarelo
e a prata de cada esquina

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Um haicai

sons de um passarinho -
"acabou a luz no bairro",
comenta os vizinho

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Guilherme de Almeida

Navegando na internet all throu the night encontrei um site com dezenas de haicais do Guilherme de Almeida. Não foi ele quem trouxe o haicai pro Brasil, mas creio que tenha sido o seu primeiro grande divulgador (antes mesmo do Paulo Leminski).

http://www.terebess.hu/english/haiku/almeida.html

HISTÓRIAS DE ALGUMAS VIDAS

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.

Quem for ler os poemas no site vai reparar que em um ou outro tem uns erros de digitação, mas nada que comprometa a leitura.
O Guilherme de Almeida é um dos poucos haicaistas que eu conheci e gostei. Ainda estranho a ideia de colocar títulos nos haicais, mas adoro como ele trabalhar a forma fixa e os próprios poemas em sí, seus assuntos. Também, por uma questão pessoal, gosto do fato de ele fazer haicais como um brasileiro de século XX que mora na cidade e tem a bagagem da literatura ocidental nas costas pesando forte, sem ficar sonhando que é Bashô no Japão do séc. XVII.

- Aproveitando a conversação toda, eu tenho que falar aqui: eu morro de curiosidade de saber quem lê o meu blog. Tem sido bem acessado, a média dá mais de um acesso por dia. (acho isso bastante pro meu blog haha) Fico contente de saber.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um haicai

nódoas da chuva - como sardas
nos braços - sobre os seios, no metrô

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Leituras contínuas de Herberto Helder estão acabando com qualquer espaço para eu escrever novos poemas. Assim como mundos grandes.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um haicai

num mundo grande
e outro canto de significados
vazio dos pássaros

não havia espaço para poemas

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um dia

Estreita e abandonada, numa ruela
emoldurada por esquinas
de muros altos, sujos e rugosos,
exceto por um ônibus
imóvel, à margem
do tráfego que inexistia.
Este, um ônibus que repousa
- elefante que dorme - protegido do Sol
sobre o musgo que brota
por entre paralelepípedos
cobrindo de tempo suas faces
sobre outras faces desbastadas
num lento lance de dados
a beijar o chão, pó de pedra.
Abaixo dos tons de poeira,
ruídos inaudíveis desenhavam nas
ondulações da superfície
formas de ondas que se percebem
mesmo à transparência de um rio
mais plácido, apenas vindos da avenida
onde se dá o corte de seu sentido
como, um dia, a caminho de São Paulo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Santos

Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.

O edifício é sólido e o mundo também.

Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.

O mundo é mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...
Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja.




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em Sentimento do Mundo (1940), C.D.A

ps: mentira. O poema se chama "Privilégio do Mar".

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um haicai

a cruzarem a
menina dos olhos
ideias de natureza

domingo, 8 de agosto de 2010

Um haicai

lápis deslizando
pela mente em branco - o esquecimento
de um haicai

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Revisão:

Sócrates
Mas e os outros poetas? Não fizeram sua poesia sobre essas mesmas coisas?

Íon
Sim, Sócrates, mas não do mesmo modo que Homero...

Sócrates
Como assim? Pior?

Íon
Muito pior!

Sócrates
E Homero melhor?

Íon
Melhor mesmo, por Zeus!

Sócrates

Ora Íon, querida cabeça! (...)

Platão, Íon (Sobre a Inspiração Poética)

Ou seja, eu ERREI o título do blog. A memória é uma coisa incrivelmente imprecisa...

domingo, 11 de julho de 2010

XXXIII

Tu queres ilha: despe-te das coisas,
das excrescências, tira de teus olhos
as vidraças e os véus, sapatos de
teus pés, e roupas, calos, botões e

também as faces que se colam à
tua, e os braços alheios que te abraçam
e os pés que querem ir por ti, e as moças
que querem te esposar, e os ais (não ouças!)

que querem te carpir, e os cantos que
querem te consolar, e tantos guias
que querem te perder, e as ventanias

que não dormem, que batem alta noite,
tristes, em tua porta, se ressonas
pois nem o vento, nada te abandona.

Jorge de Lima, Invenção de Orfeu, Canto Primeiro: Fundação da Ilha

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um haicai

campos de cevada -
mulher afeitada - "Garçom,
desce uma gelada!"

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tava achando o blog triste e abandonado, mas aí parei pra lembrar:

.


......um bom poema
leva anos
......cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
......seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
...... sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
...... três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
...... uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski (se não me falha a memória, do livro Distraídos Venceremos)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Exegese

"Nudez, último véu da alma
que ainda assim prossegue absconsa"

............................................C.D.A


Tuas mãos seguravam o meu rosto, lisas cândidas. Não usava roupas e nem estava nu, jogados, sobre um tapete de algodão o chão do teu quarto de cores muitas, desbotadas, eu você, o meu sonho nos beijávamos, pálpebras entrefechadas. Tua mão no meu pescoço eu adentrava a tua pele suada por debaixo da blusa teu peito pungente do qual nunca a rosa, a tua blusa branca e justa da cor da tua pele. Teus olhos fechados e as cores fortes do teu quarto, das tuas fotografias, a minha mão descia pela tua barriga, em dedos abertos, quente a palma da mão ouvia tuas lástimas. Com a ponta das unhas a tua calcinha prata escura meus dedos deslizavam por entre pelos na tua nuca, teus cílios marejados Vênus nascia do teu ventre. Verde-azul, o cortinado dos teus pés, teu suspiro surdo e a maçã rosada do teu rosto que desce aos ombros teus, pelos de ouriço negro na areia, a tua mão a minha mão embebida segurou,
e virava as costas,
curvas, nua.
Tomo minhas as tuas mãos
e te envolvo nos meus braços
me aquecendo no teu corpo.
Meu pênis ereto rente
à pele morna da tua coluna
ligados por seminal promessa.
Nosso cheiro profundo pelas paredes
como nossa última memória.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Museu de novidades

Eu não costumo gostar muito dos meus poemas mais velhos, acho que pouca coisa se salva. Mas a idade deles criou distância o suficiente pra eu ler como se não fossem tão meus, o que é uma experiência bem interessante.
Então resolvi reabrir o meu blog antigo:
http://www.dudapih2.blogspot.com/

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Cantochão para o chão

Quem reparou na progressão das gretas
sobre a sua superfície & mediu
a deslavagem & a erosão milimétricos?
Quem leu as pautas que se formavam?
Quem viu o reboco cair como icebergs
no oceano da calçada?

A sós se desfazia /
se desfaz o muro,
sua música para ninguém cantada,
surdina para surdos, cantochão para o chão
nu descendo a escada numa casa vazia,
natividade num museu ártico.

Canção 4 do poema Canções do Muro, de Horácio Costa.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Soneto

Em meu quarto imerso em breu, paredes,
seus pequenos vincos e arestas se
mesclam indistinguíveis uns dos outros,
distantes nas pupilas de meus olhos.

No enjôo que sinto de ausência e vinho
guardo com afeto o possível vômito
em meu estômago, como o apego
com que me guardas em garras de esmalte

vermelho à cor de meu próprio sangue.
E se ligados por cor vital sei
do meu sangue, das tuas garras, só

no que em mim é breu posso sentir
o vazio cravado na minha pele.
Longe de ti, adormeço, e não sonho.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um haicai

na estepe um cavalo
corre - no ar a sua crina -
marrom feito um tronco

terça-feira, 23 de março de 2010

Voto - de Murilo Mendes

Obscura vida,
O que te peço
É que me reveles teus desígnios,
Obscura vida:
Que sejas transparente
E concisa
Como por exemplo a morte
- Clara esperança.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Enquanto eu dormia

Você apareceu-me como que
com os cabelos bem curtos
de arrependimento.
Você morava comigo e dizia,
os nossos olhos lacrimejando,
que estava com muitas saudades.
E eu te aceitava
e você sumiu na cozinha.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Trecho

"Vejo-me noutra cidade.
Sem mar nem derivativo,
o corpo era bem pequeno
para tanta insubmissão.
E tento fazer poesia,
queimar casas, me esbaldar,
nada resolve: mas tudo
se resolveu em dez anos
(memórias do smoking preto).
O tempo fluindo (...)"

"Desfile", em A Rosa do Povo, C.D.A (1945)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Prenúncio em si

Próximos da aurora,
alguns ônibus ainda circulam com pressa
por ruas quase vazias,
ônibus quase vazios.
Seus ruídos percorrem esquinas,
sugerem sonhos em camas quaisquer.
Em resquícios, as mucosas se umedecem
do orvalho nos rostos compenetrados.
O jornaleiro escovava os dentes.
Da periferia, uma van trazia o jornal -
as notícias chegariam apenas com a manhã.
Um primeiro canto de pássaro
apenas ressoa...
Destes semblantes distante,
após uma noite insone, caminho,
e sinto-me algo próximo do céu.
Nele, a aurora logo surgirá
estranha e nova.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Trecho

"Sim, bonito. Mas antes de bonito é pungente, leitor; as metáforas que o homem fabrica são cápsulas que o tempo desfaz."

em The Very Short Stories, de Horácio Costa (1987)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Adolescência

Na borda do canal, sentados, observando o portão.
Esperando devagar pelo sinal da escola com nome de marquês.
Lentamente,
os alunos atravessando aos poucos o portão
que se fecha ao mesmo ritmo.
Já no sinal, estamos
longe. Seguimos a avenida
de encontro à orla desta ilha.
Na areia molhada, num dia de semana,
não há turistas, apenas
alguns surfistas flutuam sobre as ondas,
garças pairam, contra o vento.
Em uma praça, sentamos sobre o colo úmido
das estátuas de seios duros os quais alisamos
em uma brincadeira, ao som do mar. Palavras,
e nelas, as fotos tiradas
em dias anteriores, iguais,
ainda não reveladas. Atravessamos
de volta a avenida e cruzamos
planos bairros por suas poucas ruas tortas
chegando à linha da máquina.
Nos equilibramos pelos trilhos e
ouvimos a todo o redor o apito de um trem
ecoando pelas paredes dos prédios,
sentimos um tremor na sola dos tênis. Corremos,
e com um leve impulso
nos penduramos nas escadas espalhadas pelos vagões
e ali, durante algum tempo, nos deixamos levar
flutuando sobre pequenas pedras,
sentindo o vento nos cabelos curtos
o peito sentindo o mantra dos trilhos.
O olhar colado ao vagão
fazendo do trem ainda mais infinito. Ao lado,
passava o estacionamento vazio,
o gramado, o cinza céu do dia. Pouco
que se percebesse
passava por nossas cabeças. Com um grito,
descemos.
Os vagões juntos
se distanciavam ao longo da linha curva dos trilhos. Caminhamos
ouvindo o outro lado do mesmo apito que seguia inerte
ecoando pelos prédios cada vez mais distantes
até o supermercado de frente à avenida,
aos trilhos e aos prédios
que ecoavam quase inaudível o apito do trem.
Fazia um dia claro dentro do supermercado.
Caminhamos pelos corredores até a lanchonete
e pechinchamos um preço arredondado
por uma garrafa de água
que não foi suficiente para matar a nossa sede.
Deixamos a garrafa em pé
no pátio vazio. E andamos.
Entramos no prédio, escadaria, o apartamento vazio,
pegamos a câmera com o filme dentro,
saímos do apartamento, vazio,
escadaria, prédio.
E, rápido, na loja de revelação,
entregamos a câmera, deixamos o filme
com as fotos de nossos dias na loja
e para nunca retornar lá.
Com a câmera vazia seguimos pelo entardecer
nos dipersando um a um,
prédio a prédio.
Adolescentes continuam sentados na borda do canal.
Ninguém nunca pagou por aquele filme.
Na memória, nada mudou:
a garrafa, as garças, os seios.
Na noite, ainda pode-se ouvir o apito grave dos trens.
E mesmo distantes uns dos outros,
é como se nunca tivéssemos saído de nossa cidade.
Continuamos os mesmos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Chico Alvim

Leopoldo

Minha namorada cocainômana
me procura nas madrugadas
para dizer que me ama
Fico olhando as olheiras dela
(tão escuras quanto a noite lá fora)
onde escondo a minha paixão
Quando nos amamos
peço que me bata
me maltrate fundo
pois amo demais meu amor
e as manhãs empalidecem rápido

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Um haicai uspiano

meio do caminho -
um Ultramarinho leva-
me que traz saudades

sábado, 26 de setembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

a la Twitter

No meio de uma nota de rodapé de um texto do Spitzer: "Cada palabra era en otro tiempo un poema..." (Emerson)

sábado, 5 de setembro de 2009

Eu ainda deixava a infância,
uma vez meu
convidou uns amigos
pra visitarem a nossa casa de campo.
Palavras mantidas a certa distância
diziam do amigo de um amigo
que veio também:
- Ele é deprimido,
toma remédios.
Pra mim
ele era um homem que sentava na cadeira e olhava pro longe...
Hoje
eu olho pro longe aonde a memória não compreende.
Hoje você
pra mim
é a terceira pessoa do singular.
Eu não sei
como fui crescer um rapaz assim
e você
mais do que uma ausência, omissão
no solo árido de antepassados nossos.
Daqui
eu me sinto como se estivesse sozinho.

sábado, 29 de agosto de 2009

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Um haicai à Drummond

do alto das cinco
horas da tarde uma flor
rompe o asfalto



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O lançamento domingo passado foi ótimo. O pessoal compareceu e lotou o Ícone fazendo um baita calor humano, literalmente e literariamente. Agradeço a todos! E hoje tem sarau na Letras às 21:00h com o pessoal da antologia.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Antologia "Ávida Espingarda"

Com o objetivo de incentivar a criação literária na USP, convidamos todos para o lançamento da coleção Feito nas Letras – do selo Experimental, da Editora Annablume – que pretende publicar poesia e prosa dos alunos, professores e funcionários que estudam e trabalham na FFLCH.

No dia 23 de agosto, das 17h00 às 20h00, no Ícone, Espaço Cultural, que fica na Rua Augusta 1415, próximo ao metrô Consolação, acontece o lançamento dos três primeiros volumes da coleção:

Ávida Espingarda – antologia da qual fazem parte eu mais outros 7 alunos dos cursos de Letras

Há Saci na Fome – livro de poesias de Luís Venegas, aluno do curso de Espanhol;

Os Tempos da Diligência – livro de poesias de Antonio V. S. Pietroforte, professor do DL.


Compareçam!

sábado, 25 de julho de 2009

Kieslowski


Entrevistador: Por que você queria fazer isso (descrever a vida na Polônia)?

Krzystof Kieslowski: É duro viver em um mundo que não foi descrito, você tem que tentar descrevê-lo para saber como se sente. (Sem descrevê-lo) É como não ter identidade. Seus problemas e sofrimentos desaparecem. Eles se desintegram. Para ser mais radical, você se sente completamente exilado das outras pessoas. Você não pode se referir a nada porque nada foi descrito ou mencionado adequadamente. Você está sozinho.

(trecho do documentário "I'm So-So")

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um haicai

distantes do sol
céu e prédios amanhecem
cinza-azulados com o
bocejo dos pássaros

terça-feira, 14 de julho de 2009

Um poema de Anna Akhmatova

Apertei as mãos sob o xale escuro...
"Por que estás tão pálida?"
- Porque hoje lhe dei a beber amargura
até que ele foi embora daqui embriagado".

Posso acaso esquecê-lo? Saiu daqui cambaleando,
sua boca torcendo-se dolorosamente...
Desci correndo, sem nem me encostar no corrimão,
corri atrás dele até o portão.

Angustiada gritei: "Tudo não passou
de uma brincadeira. Se fores embora, morro."
Sorriu docemente e, com um muxoxo terrível,
disse-me: "Não fique no vento".

8/1/1911
Kiev

(tradução de Lauro Machado Coelho)








Resolvi postar esse poema aqui no blog principalmente por gostar muito do seu sétimo verso, que tem a imagem que mais ficou na minha cabeça da minha leitura inacabada da Antologia Poética da poeta, lançada pela L&PM Pocket. Ainda fico espantado quando penso que apesar da distância geográfica e de tempo, uma poeta consegue construir uma imagem com tamanho poder de identificação pra alguém tão distante, no caso, eu.
Ainda não terminei o livro e dei uma parada na leitura esses dias, mas vira e mexe eu pego o livro dela da mesa e dou uma lida num poema aleatório. Até a parte em que eu lí, são todos poemas bem curto e concisos, linguagem clara e sem muitos adornos, como o que eu postei. Me faz lembrar do Villaça falando que "poesia, antes de mais nada, é feita de imagem". Ou algo assim.
Vale a pena também deixar o link pra um outro poema dela traduzido por André Vallias e Augusto de Campos AQUI, que foi o poema que fez com que eu conhecesse e me interessasse pela poeta.





Poemas à parte, acho essa foto da Akhmatova linda.

domingo, 5 de julho de 2009

Um haicai

ao fim de um dia nublado
o alaranjado ocaso
nada revela

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Segunda: 1:20h - 15°

Na verdade eu nunca parei pra pensar na imagem de um supermercado como um ponto de encontro de adolescentes, coisa que acontece bastante em Santos, no Extra - e provavelmente acontece em outras cidades também. Mas se esse fato fosse servir de símbolo de algo, imagino que não seria dos mais idealistas.

Mesmo assim, é bom ir lá de madrugada e ter um lugar tranquilo pra sentar e comer porcarias baratas, conversar sobre o tédio... E eu acredito mesmo que os jovens no supermercado e o tédio serve de símbolo pra algo dessa geração.

Mas até mesmo o Extra às vezes fecha, então eu e mais dois amigos fomos pra Praça da Independência (outro ponto de encontro rotineiro), que não tem muita coisa nem muita gente numa madrugada de segunda. Mas tem uma vista um pouco mais elevada da avenida e de outras ruas. Ajuda a pensar melhor. E a gente continuava conversando, quando, do nada, veio se aproximando um rapaz moreno, cabelos longos e cacheados, umas roupas meio largadas. Não tinha jeito de quem ia pedir dinheiro, muito menos assaltar. Falou que era um poeta, e que fazia poemas a partir da face das pessoas que ele encontrava na rua ou de uma palavra qualquer que a pessoa escolhesse, e perguntou se era do nosso interesse. Pedi pra ele fazer um a patir do meu rosto, ele pediu licença e foi pra um canto escrever.

De cara lembrei de uma cena do filme Antes do Amanhecer em que aparece um poeta que vendia poesias instantâneas sobre as pessoas também. Depois de alguns poucos minutos ele voltou com o poema. Eu pedi pra ele ler pra gente:




Tuas duvidas não são dubias


o ouro nao te doira
a vida do sentimento
mas reluz o brilho
da Lua
e até mesmo
o Sol que mais que
o ouro é vida
sabe que o descansar
da noite abriga tambem
as alcovas do não saber
e por ser o Sol pai da
vida tudo vê ao contrario
da Lua que confessa
em segredos teus
e dela o que jamais
reside em resposta
até que a timidez da tua face
te mostre onde descansa teu coração




Além do meu, ele fez mais dois poemas sobre os meus amigos, tão bacanas quanto o meu. Liberei uma grana e ele foi embora agradecendo. Fiquei com a impressão de que por mais que eu pudesse fazer críticas, eu não deixaria de estar impressionado como eu fiquei.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Um haicai

postes lado-a-lado -
a árvore amarelada -
ar-condicionado

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Uma noite

Ontem eu sonhei
com a gente indo na padaria
comprar pão
chocolate e suco
como dois órfãos
em uma cidade noturna.
Naquele sonho
nós não tínhamos pais.
E daquela cidade
silenciosa que se entregava aos
nossos pés eu te falei
quando amanheceu.
Aquele momento nela
em nossas memórias
resiste
sem uma interpretação que o comporte.
Assim como um momento qualquer.
Assim como você e eu
temos pai e mãe.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A crítica e a poesia

Nos últimos meses tenho lido bastante na internet sobre poesia contemporânea e acredito que este texto, se não for o melhor, está entre os melhores que eu lí sobre o tema nesse tempo:

http://www.sibila.com.br/2/index.php/critica/592-joao-adolfo-hansen-conversa-sobre-critica-e-literatura-brasileira-contemporanea

O texto é uma conversa/entrevista entre o Luis Dolhnikoff e o João Adolfo Hansen sobre poesia contemporânea, partindo da constatação do Dolnikoff de que há uma certa "pequenez generalizada" que toma conta da poesia contemporânea. E daí vai.

É difícil de tecer qualquer comentário do alto da minha leiguice de aluno de segundo ano de Letras, mas é de se estranhar a pouca quantidade, quase nenhuma, de críticas que apontem algo de negativo na obra dos poetas contemporâneos (o Dolhnikoff está mais pra exceção do que pra regra). A poesia deles vai sempre muito bem, segundo a crítica. Mas lendo a maioria destes poetas que ganham destaque nos mesmos sites de literatura de onde surgem os textos dessa crítica satisfeita ainda sinto que falta alguma coisa na poesia de muitos deles.

Mas isso é coisa pouca, o Hansen eleva a discussão à outros níveis. E é aí que a gente se sente leigo.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

eu andei deixando a barba crescer...
tava sem fazer nada em casa, na vida,
nesses tempos em que eu andei deixando a barba crescer...
saí de casa pra fazer o que tinha que fazer
e esqueci de propósito o guarda-chuva.
acho que a chuva me faz bem.
tinha resolvido tomar uma cerveja,
já estava de barba mesmo...
cerveja me faz lembrar dela... de uma música...
eu sei que tudo isso é meio egocêntrico,
autobiográfico,
poético,
só porque eu botei em versos
só porque eu saí de casa
assim, mais bonito
pra poder pensar melhor como ela é bonita,
e como eu ficava bonito assim, ao lado dela.

sábado, 23 de maio de 2009

Ensino médio


Foto: Ed van der Elsken


Vagueando pela internet outro dia encontrei essa foto no blog da Andréa del Fuego. Fiquei lembrando dos tempos de escola em que eu ficava dormindo num canto do pátio na hora do intervalo.